quinta-feira, 7 de abril de 2011

Relato do Pai - VBA3C

 **** Esse relato foi escrito pelo Rafael poucos dias depois do nascimento do Francisco****

Relatar a experiência sublime do nascimento de um filho é uma tarefa no mínimo desafiadora.  Para que seja possível expressar parte do que senti é necessário voltar alguns anos no tempo, e aí vai:
Desde muito cedo, 12 ou 13 anos, casar, ter minha casa, carro e muitos filhos.  Tendo esse objetivo em mente sempre me preocupei em reconhecer o memento certo e a pessoa certa com a qual realizaria meus sonhos familiares.  Aos 21 anos conhecia a Larissa.  Por incrível que pareça, foi fácil reconhecer naquela moça a mulher da minha vida.  Não me pergunte como, eu só sabia.  Aqui começa a história dos “meus partos”.  Começa antes mesmo de nos casarmos.  Luiza (12) na época tinha 4 anos, linda, esperta e muito carinhosa, me surpreendeu quando em uma das vezes que saímos, perguntou se poderia me chamar de pai.  Lembro da alegria que senti e do amor que explodiu no meu coração naquele momento, um amor incondicional, sem espaço para mantê-lo dentro de mim.  Abracei a Lu e disse que sim.  Era tudo o que eu queria ouvir.  Um “parto do coração”, meu primeiro, lindo e emocionante.
Nos casamos e poucos meses depois estávamos grávidos.  Nem tudo são flores na vida de casado.  Foi uma gravidez difícil entre as mudanças de humor e não saber o que esperar no próximo minuto.  Mais uma vez se sobressaiu o amor que temos um pelo outro.  Embora houvesse o esboço de uma idéia de parto normal, lembro do comentário que sempre fazíamos: “Prato normal!  Normal mesmo é fazer cesárea, ter um filho sem ter que sentir toda aquela dor, por tantas horas!”.  Realmente o parto do Henrique (6) foi um parto rápido e lindo.  Dra Gisele foi quem o trouxe ao mundo, tive o privilégio de assistir, meu coração mais uma vez encheu-se de amor.  Olhei para o Henrique e para a Larissa e agradeci a Deus pela família que estávamos aos poucos formando, cheia de amor e carinho.  Foi lindo, meu segundo parto, cesárea.
Depois de 4 anos, indo contra muitas pessoas, decidimos engravidar e assim foi.  Uma gravidez bem mais fácil quanto ao que esperar, as mudanças repentinas de humor foram melhor compreendidas, mas os desconfortos físicos, dores e até paralisia facial foram desafios superados juntos.  Aquela idéia de parto normal deixou de ser somente uma idéia.  Vi minha esposa procurar informações, estudar e compreender os benefícios de um parto natural.  E ela entendeu direitinho!  Não lembro exatamente quando ela me contou sua idéia de um parto normal domiciliar.  Lembro bem do quê pensei: parto normal?  Em casa?  Parteira?  Doula?  Ai, ai, ai...  Que medo eu tive!
Não foi muito difícil me convencer da idéia.  Difícil foi engolir o custo de tudo isso.  Embora tivéssemos convênio, nenhum médico de convênio faria um parto normal depois de duas cesáreas, muito menos em casa.  Foram meses frustrantes, procuramos uma parteira.  Embora o custo dela não fosse tão alto, não tínhamos um centavo.  Embora pudéssemos pagar em parcelas “suavemente”, não tínhamos tido coragem de propor uma forma de pagamento.  Vi o entusiasmo dela se apagar e levar junto o meu.  Embora tivesse sido um momento frustrante, estávamos felizes.  Dr. Osmar foi quem trouxe nosso Pietro (2) ao mundo.  Mais uma vez assisti o parto, mais uma vez foi rápido, muito rápido, porém dessa vez pude cortar o cordão.  Foi uma experiência muito legal.  O Pietro era lindo e estava bem.  Nossa família crescendo e feliz!  Foi assim meu 3º parto, cesárea, eu cortei o cordão.
Mais um ano e meio se passou e antes da  concepção de nosso próximo filho, concebemos a convicção de que seria um parto normal.  Deixou de ser uma idéia, um desejo, um plano.  Passou a ser “O Plano”.  Vi a Lá buscar por alguém que tivesse disposição de entrar no barco conosco, e por incrível que pareça foi um desafio encontrar alguém (mesmo entre os adeptos à idéia) que topasse, depois de três cesáreas fazer um parto normal, agora já não precisava ser necessariamente domiciliar.  Aliás, depois dos riscos que disseram que correríamos, era melhor um parto normal hospitalar.  Ainda assim, encontrar alguém disposto a fazê-lo, não foi fácil.  Com 17 semanas a busca começou.  Depois de várias situações, conversas frustrantes e desencorajamento, ao contrário do que esperávamos, às 36 semanas não havia nada decidido.  Nossa situação financeira não era tão diferente de 2 anos atrás quando tivemos o Pietro.  As pessoas das quais esperávamos apoio, haviam pulado do barco antes mesmo de subir nele, talvez tenham achado a capitã muito frágil, talvez a convicção do marinheiro e a confiança em sua capitã não tenham sido o bastante.  Ou mesmo a idéia de entrar num barco com uma tempestade anunciada tenha sido assustador.  “e se algo ruim acontecer?”, “e se o seu bebê morrer, mãe, o que a senhora vai fazer?”.  Tantos E SEs, foram dias de tempestade antes de nos lançarmos ao mar, uma viagem obrigatória, não havia outra alternativa.  Foi quando vi minha moça decidir que teria um parto normal no Hospital Geral P, isso mesmo, um hospital público, contando como um amigo falou “uma mentirinha que Deus perdoa”.  Iríamos para o hospital quando as contrações estivessem uniformes, 14 por hora, e diríamos que era nosso 4º filho.  O histórico dos partos seria de 2 normais e o último cesárea.  Decisão  tomada, coração um pouco menos apertado, um pouco menos aflito e muito mais confiante, embora ainda temeroso.
Trinta e nove semanas e 4 dias, estava no trabalho quando a Lá me ligou dando risada: “a bolsa estourou!”.  Os risos foram por que aconteceu quando o técnico da máquina de lavar estava em casa.  Imagino a Lá tentando disfarçar enquanto procurava uma brecha para verificar se estava tudo bem e se limpar.  Sabia que nossa viagem havia começado.  Estávamos sozinhos na jornada.  Não fiquei nervoso, aos olhos dos outros estava até calmo demais.  Quando cheguei em casa tudo estava bem.  As contrações estavam ficando mais próximas, as crianças bagunçando como sempre, jantamos pizza, pusemos os menores para dormir.  As contrações já estavam mais fortes, estava na hora de irmos para o hospital.   A Lá foi no banco de trás gritando com o rosto enfiado na cadeirinha do Pietro a cada contração.  Brigando para que eu dirigisse mais devagar, embora estivesse a 30km/h em ruas livres em que poderia andar a 60km/h.  Chegamos ao hospital, um rápido ping-pong  de uma para outra portaria, em pouco tempo estávamos em frente ao consultório ginecológico.  A cada contração uma rápida sessão de massagem no coxci.  Quando entramos na sala e a médica examinou a Lá descobrimos que ela estava com apenas um centímetro de dilatação.  Percebemos que seria um trabalho de parto longo.  A Lá ficou surpresa e sua primeira frase foi “Não acredito!  Tanta dor por tão pouco.”.  Pensei “A noite vai ser longa”.  A Lá foi encaminhada para uma sala onde a colocaram no soro sem ocitocina, como ela pediu.  Foi o único momento em que pediram que eu ficasse fora da sala.  Foi muito difícil.  Sabia que ela estava com dor e queria estar perto, mesmo que não pudesse fazer nada além de estender a mão cada vez que as contrações viessem (como a Lá disse, “aquelas das boas”).  Nesse momento percebi que não havíamos entrado no barco sozinhos.  Estávamos na tempestade, mas não à deriva.  Nosso Pai Celestial estava conosco e estava mandando seus anjos para nos orientar e ajudar.  Enquanto estava lá fora, aflito por não estar perto da Lá, uma enfermeira se aproximou e disse que eu deveria entra e ficar perto da minha esposa.  As enfermeiras haviam me dito para esperar do lado de fora, ela porém disse que eu deveria entrar e que falaria com as outras.  Fui ficar com a Lá e pude novamente estender a mão e acariciar seu rosto.  Chegamos ao hospital pouco antes das 22 horas.  Uma hora e meia depois a bolsa de soro estava vazia e fomos encaminhados para a sala de cardiotoco, onde conhecemos mais um anjo do Senhor, a Bel.  Acho que esse foi o momento mais difícil para nós dois.  Estávamos sozinhos na sala que era bem pequena, a cada contração a Lá gritava cada vez mais alto, sei que estava doendo tanto que ela falou várias vezes em desistir, em fazer uma cesárea, pediu várias vezes que eu chamasse a enfermeira, a médica, queria e queria acabar com o sofrimento.  Lembro de incentivá-la a se manter firme, que tudo estava correndo bem.  Tentava lembrá-la de respirar fundo e prestar atenção aos movimentos de nosso bebê.  Orei pedindo que o Senhor amenizasse sua dor e nos desse forças para ir em frente.  Terminado o exame voltamos para o consultório e a médica nos informou depois de examinar a Lá que a dilatação estava em 3 cm.  Mais uma vez a Lá se desesperou.  Mais uma vez “tanto por tão pouco”.  Mais uma vez eu procurei ajudá-la com palavras repletas de esperança, “tudo vai dar certo”.  Mais uma vez o pedido de cesárea e mais uma vez a médica num ato de firmeza e ao mesmo tempo apoio, disse que ninguém faria cesárea nela.  Lembrou-a que já tinha tido 2 partos normais e perguntou se ela tinha esquecido.Nos entreolhamos e sorrimos afinal “já tínhamos tido dois partos normais”.  Me dei conta de que não havia mais volta, nessa viagem não havia como retroceder.  Orei novamente para que tivéssemos forças.  Ouvi a Bel conversando com a médica que disse ser hora de transferir a Lá para outro hospital, pois não havia leito disponível.  Mais uma vez, por seu anjo o Senhor mostrou estar do nosso lado.  A Bel recusou-se em fazer a transferência, disse que eles tinham leito sim, que a dilatação da Lá estava evoluindo muito bem e que a levaria para o Centro de Parto.  A médica concordou desde que a Bel assumisse a responsabilidade e assim foi.  Enquanto a levava, a Bel pediu que eu fosse buscar a etiqueta de acompanhante e então subisse para ficar ao lado da Lá.  Eu até acreditei que seria fácil assim.  Quando cheguei no balcão e informei o que queria soube que teria que esperar até que fosse feita a internação no Centro de Parto para depois preencher os papéis necessários e então ser liberado para subir.  Embora não estivesse confortável com a situação, decidi esperar pacientemente.  Mais uma vez orei por paciência, orei para que a Lá estivesse bem, para que o Senhor a confortasse.  Senti que o Senhor estava próximo de nós quando vi a Bel e ela perguntou o que eu estava fazendo lá ainda.  Contei o que havia acontecido e ela rapidamente providenciou a etiqueta de acompanhante dizendo que minha esposa precisava da minha companhia, que eu devia subir e ficar ao seu lado.  Agradeci ao Senhor pelas respostas rápidas às minhas preces.  Quando cheguei ao quarto ela estava na cama.  Aprecei-me para ficar ao seu lado.  As contrações estavam cada vez mais fortes.  Ela apertava minha mão e eu a dela tentando dar apoio.  Por muitas vezes sorrimos e entre os sorrisos uma piadinha ou outra.  Seu corpo estava trabalhando atendendo aos seus pedidos de que nosso bebê nascesse logo.  Ela gritou que queria cesárea, gritou que estava ardendo, disse estar cansada, pediu que chamasse alguém, que as dores e a ardência passasse, pediu que o Senhor estivesse ao seu lado, que não a deixasse e em todos esses momentos pedi que o Senhor estivesse conosco, que tudo corresse bem, que o Senhor os deixasse viver, que os “E SEs” não acontecessem.
Pensei várias vezes que tudo que estava acontecendo, fomos nós quem quisemos e me perguntei se tudo acabaria bem.  Seria muita felicidade se tudo desse certo, se tudo corresse bem.  Será que merecíamos tanta felicidade?  Orei para que esse sentimento passasse e para que tudo ficasse bem.  Prometi que se o Senhor ficasse do nosso lado eu estaria do lado Dele para sempre.  Me segurei para não chorar tentando passar uma imagem forte e confiante.  Por muitas vezes senti o Senhor nos consolar, um sentimento de paz, as palavras da mãe da garota que estava em trabalho de parto do nosso lado “depois que você tiver seu bebê toda dor vai passar, nasceu acabou”.  Entre uma contração e outra, agora mais próximas, olhava para minha moça, aquela pela qual me apaixonei há 8 anos, tornando-se mulher, mãe, de uma forma diferente do que havia visto, uma força de vontade incrível.  A convicção do que queria confiante.  Minha admiração chegou em um ponto que nunca achei ser possível, meu amor e compreensão do milagre da vida.  Pedi a Deus que tudo corresse bem e nos deixasse compartilhar a vida juntos.  Outras contrações vieram.  Procurei estar ao seu lado da forma que pude. 
Dos 6 cm de dilatação aos 10 tudo foi tão rápido quanto intenso.  Numa das contrações chamei a enfermeira Karla que veio logo e nos disse que se a Lá fizesse força na próxima contração ela faria o parto.  Foi um momento de muita emoção, nosso bebê estava perto.  A contração veio e eu a vi fazendo força como nunca havia visto.  Era nosso bebê, que embora estivesse trabalhando e fazendo sua parte para nascer, precisava muito de ajuda para nascer.  A cada força eu, por pura empatia, fazia força junto, procurava incentivá-la com palavras de apoio e lembrá-la de respirar.  O cansaço era nítido entre as contrações, mas quando a enfermeira me chamou e mostrou o topo da cabeça do nosso bebê a emoção tomou conta de mim.  Lembro de dizer que faltava muito pouco, que ele precisava de mais uma força.  A Lá disse que não ia conseguir, porém mais uma vez eu tentei incentivar “Força!  Tá acabando, só mais uma, ele precisa da sua ajuda”, e junto com ela, juntos até o fim, fizemos a ultima força, a derradeira.  Assim que saiu a cabeça, a Karla puxou-o e aí sim, nasceu nosso Francisco.  Lindo!  A emoção que senti não tem explicação.  Olhei para minha mulher aliviada, cansada, feliz e agradeci à Deus por ela ter conseguido, sua persistência, vontade, força e amor.  Os primeiros cuidados foram dados ao Francisco e logo ele veio ficar ao nosso lado.  Ele é lindo, tudo foi lindo.  Agradeço à Deus por tudo ter dado certo.Assim foi NOSSO quarto parto, Francisco, parto normal, Larissa foi quem o trouxe ao mundo.  A realização de um sonho mostrando que tudo é possível àquele que crê, tudo é possível em quem nos fortalece.
Lá, eu te amo.  Obrigado por me deixar fazer parte da sua vida, vê-la junco com o Francisco e Nosso Pai Celestial operarem o milagre da vida, o nosso pequeno milagre.  Te admiro por tudo o que você é e por me deixar ser ao seu lado o pai de nossos filhos, cada um tão especial quanto o outro, amados e queridos para esta vida e para toda a eternidade.


Rafa